Fazer de Morto
Conheci-o numa tarde de chuva
Quando as resinas coloridas que lhe simulavam danos cerebrais
Lhe escorriam pela cara e lhe empapavam o colarinho
Vinha inaugurar uma exposição de quadros abstractos
Que eram uma sucessão de volumes vagamente parecidos com dunas
Dando a ilusão de um corpo humano em movimento
– A morte não é mais do que uma predisposição para a horizontalidade
Disse-lhe à queima-roupa
P'ra fazer de morto
Basta só no chão
Esticar o corpo
Estender o corpo
(Salvação meu irmão)(x2)
Mais tarde, enquanto fazíamos um passeio nocturno
Por entre as torres de betão vazias e as massas de pneus
Amontoados no descampado debaixo da via rápida
Contou-me que a mulher o trocara pelo melhor amigo
– O seu corpo tem a forma das minhas mãos
Disse-me com irreprimível entusiasmo
– No fundo, é como se tivesse sido desfigurado
Num repentino acidente de automóvel
P'ra fazer de morto
Basta só no chão
Esticar o corpo
Estender o corpo
(Salvação meu irmão) (x2)
P'ra fazer de morto
Basta só no chão
Esticar o corpo
Estender o corpo
(Salvação meu irmão) (x2)
Leva-me
Nascer e morrer
E não nascer
E não morrer