Águas de Março
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o Sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o Matita Pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto, o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto
É um pingo pingando, é uma conta, é um conto
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terçã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
Au, edra, im, minho
Esto, oco, ouco, inho
Aco, idro, ida, ol, oite, orte, aço, zol
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
A Poesia Cotidiana e a Metáfora das Águas de Março
A canção Águas de Março, composta por Antônio Carlos Jobim, mais conhecido como Tom Jobim, é uma das obras-primas da música popular brasileira. Lançada em 1972, a música se destaca por sua letra poética e pela maneira como captura a essência do fim do verão brasileiro, marcado pela chegada das chuvas de março que anunciam o outono. A letra é uma sucessão de imagens que parecem desconexas, mas que juntas formam um mosaico da vida, da natureza e do cotidiano.
A música utiliza uma série de elementos do dia a dia e da natureza para criar uma narrativa que é ao mesmo tempo simples e complexa. 'É pau, é pedra, é o fim do caminho' inicia a canção, sugerindo obstáculos e o término de uma jornada, mas também pode ser visto como o começo de algo novo. A repetição de imagens aparentemente banais, como 'um caco de vidro', 'um passo', 'uma ponte', 'um sapo', 'uma rã', evoca a continuidade da vida e suas pequenas revoluções. A letra flui como a água, elemento central da música, que simboliza a renovação e o ciclo da vida.
As Águas de Março fecham o verão e trazem a promessa de vida, como diz o refrão. Essa promessa pode ser interpretada como a esperança que se renova com o fim de um ciclo e o início de outro. A música, portanto, fala sobre a transitoriedade da vida e a beleza encontrada nas pequenas coisas. Tom Jobim, um dos criadores da Bossa Nova, gênero que revolucionou a música brasileira, entrega nesta canção uma reflexão sobre a existência humana, utilizando a metáfora das águas que lavam o passado e preparam o terreno para o futuro.