Pescador
Outrora, ao despertar da aurora,
quando a manhã aflora de dentro do mar,
faceiros, partiam os saveiros, em salmos rotineiros,
louvando Iemanjá.
Pediam que ela trouxesse a sorte
e afastasse a morte
Que sombreia os temporais.
Rezavam que o peixe bom chegasse;
enfim, que o dia vingasse para a beira do cais.
Mas, o que ninguém sabia
era que longe dali existia o perigo de tudo mudar.
Num estranho país, muito além de onde alcança a vista,
trabalhava dia e noite um cientista sobre um invento espetacular.
Sonhando riqueza e prestígio, que sua obra deixasse vestígio
em todos os livros de História Universal (vitória, afinal!)
Prevendo um cofre transbordante
derramando-lhe luxo, poderes e amante,
em pose de capeta debruçava a testa na prancheta e seguia adiante.
O projeto era curioso, era um fio misterioso
que brotava da parede.
Astuto como um raposo, o cientista, cuidadoso,
com ele teceu uma rede.
Terminado o protótipo, num frenesi apoteótico,
o primeiro teste então foi feito:
atirou-se fauna variada a um tanque de água salgada,
ligou-se a rede à tomada...e tudo saiu perfeito!
A máquina endemoninhada exerceu seu desconcertante efeito.
Seus raios eletromagnéticos, calando grande número de céticos,
compuseram o quadro patético:
aqueles feixes paralisavam os peixes,
e o cardume sem nenhuma escolha,
formando pitoresca bolha de massa inerte,
é colhido inteiro, aniquilando o viveiro,
enquanto o cientista se diverte.
No dia, na madrugada fria em que a máquina foi revelada,
despertou euforia aquela rede abençoada.
Sua voragem motivou comovente homenagem:
estava salva a Humanidade!
Não mais haveria uma só cidade que doravante passasse fome!
Ficaria para sempre o nome daquele cientista benfazejo
cujo único grande desejo
era a perspectiva de um mundo melhor!
Depois que as máquinas chegaram
as coisas se passaram bem como ele quis.
Ardida, surgiu uma ferida no coração da vida,
e deixou cicatriz.
Agora, pelos mares afora, a Natureza chora,
mataram Iemanjá.
Sutil, a rede envolve o globo
e o homem, como um bobo,
pensa que isso é pescar.