Jardim de Alah

Trago no peito uma flor do sertão
Um pedaço de terra batida
Uma leve impressão de calor
Um mormaço, uma longa ferida
Um breve baião, uma voz de cantor

Vim dar no Rio de favor, violão
Sob o braço, a marca da lida
Na pele, perdão, meu amor
Meu cangaço, o Leblon me convida
E dele eu não faço pouco, eu vou

Minha guia, meu colar
Coração à toa, ao léu
Vou até onde o vento levar
E lamento se um dia prometi o céu
E a João Pessoa voltar com trocentos reais no chapéu

Púrpura tarde, corante das seis
Arauto da noite que arde feliz
Do alto o Mirante me espia a seus pés
Eu enfrento seus olhos covardes, gigantes rubis

Vi a mais bela musa da televisão
Ao meu lado ligeira passar
Um senhor bem trajado vender emoção
Adoidado, e rosa amarela a quem queira cheirar

Levo no corpo a cor do verão
E um traço de cada avenida
Na palma da mão, cá estou
Um abraço, sem mais despedidas
De alma e pão não vive um bom trovador

Vou me deitar ao rumor do trovão
No cansaço da moça despida
Me cabe um desvão, um suor
Um colapso me apressa a partida
E quem sabe o Leblon seja o fim, seja a flor

Minha guia, meu chapéu
Mocassim à beira-mar
Vou com as pernas urgentes de réu
Inocente por vias eternas, andar
Pela Delfim Moreira, pinel
E contente de nunca chegar

Súbito, a lua desponta através
Do palco de estrelas ou nua atriz
Se apruma e se apronta de talco ou de giz
Novamente se despe e recua na ponta dos pés

E na Praça Cazuza eu vi um barão
Carmesim de tão nobre chamar
Lá vou eu como vim, trovador, violão
Mocassim, rumo ao céu que recobre o Jardim de Alah

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