O canto dos Homens-Conto

Manel Cruz

Farto do diz que disse,
Diz que viu,
Diz que aconteceu,
Diz que estava lá um amigo de um amigo
Que é amigo teu.

Farto de ouvir
O mais bonito,
O mais astuto,
O mais sensível
Mas o mais incrível
É que ao espelho eu só vejo o mais bruto.

Farto das mesmas queixas no mesmo caderno,
Farto da caneta que me leva ao inferno,
Farto de mim de ti de nós contra o resto do mundo.

A seleção deles é mais forte,
Ficaremos sempre em segundo.

Ninguém te disse
Ninguém te contou
Ninguém te falou
Não dá para ganhar.

Eles dizem foge foge!,
Mas eu fico,
Foge foge!,
E eu fico
Cada vez mais bandido.

Não sou luz da serra
Nem sombra nem luz
Nem sombra da noite,
No alvor da madrugada
Não sou coisa nem nada.

Talvez louco...,
O louco não tem número
O limite da soma é o vazio.

Não sou murmúrio de rio
Nem cigarro viciado
Nem ponta de cio,
Nem lua patética
Crescendo e fugindo do tempo que passa.

Não sou quebra-luz,
Nem gavinha entrelaçada num abraço de frio.

Sete raios de sol queimaram o sonho,
Sete chuvas de esperma o fecundaram.

Já não sou resina
Nem merda nem mijo,
Nem sangue nem seiva.

Morreram afrodites e leões de pêlo fulvo,
Quando se inventou a alma
E eu não sou mais do que rescaldo,
Já não sou poeta nem nada.

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