O Evangelho Segundo Martin Fierro
Do sacramento pampeano
Nasceu o livro sagrado,
O crioulo apostulado
Que a terra testemunhou,
E minha alma forjou
Nas contas do velho tempo,
Os primeiros documentos
Na escrita do pajador.
Com o terço da guitarra
E o sem fim dos descampados,
Sobre o lombo do cavalo,
Defini o dialeto
Ao reforçar o trajeto
Do primeiro cruzador
Que emprestou sua dor
Aos rumos do universo.
Eu que fui , um cristiano
Crucificado em guitarra,
Jamais feri a palavra
Do alfabeto dos fatos,
Ao escrever cada salmo
Acriolado de história,
"esqueci o que foi ruím
Pra seguir tendo memória".
Lembro um amigo e irmão,
Que morreu no meu costado,
Feito eu um tigre alçado,
Que à noite o instintoconduz,
Se eu só lhe fiz uma cruz,
Pois cruz carregou no nome,
É que rezar não consome
A imensa fome de luz.
Me roubaram a claridade
Nesta vida de desterro,
Um cortejo de enterro
Foi minha passagem na pampa,
Minhas mortes foram tantas
Que eu aprendi o segredo
De pulsar ferro sem medo,
Quando a foice se levanta.
E afinal ressucitei
Na biblia capa de couro,
Eu, minha adaga, meu mouro,
Meu evangelho, minha lei,
Toda fronteira troquei
Pela imensidão do verso
E fui viver no universo
Das almas que não tem rei.